A favor de um novo paradigma para os centros de formação teológica
Uma pergunta inquieta-me. Como educador e teólogo preciso respondê-la. Parece-me, no entanto, que a resposta que encontro é contrária ao próprio sistema teológico e educacional que me formei e defendi durante muitos anos. Lamentavelmente, a resposta não afeta apenas a mim. Desejaria que apenas uma pessoa fosse molestada por essa inquirição. Mas não. Assim como eu, outros teólogos que se ocupam da docência cristã são igualmente culpados. Centenas de seminários também o são. Outras centenas de cursos de teologia por extensão, EAD, correspondência, seja qual for a metodologia empregada também são igualmente culpados.
Pergunto-me por que ensinamos teologia há quase cem anos, investimos em material didático avançado, em tecnologia de ensino, em formação de professores, e mesmo assim, nada, absolutamente nada, se altera, muda ou se transforma em nossas igrejas e ministérios. Os mesmos problemas éticos, os mesmos escândalos, as mesmas disputadas por "campos", ruas e praças.
Os bacharéis em teologia que saem de nossas faculdades não conseguem refletir e nem produzir teologia. As produções científicas desses formandos inexistem. Suas monografias semelham-se aos trabalhos de alunos do Ensino Médio. Não sabem dialogar com a cultura de nosso tempo. Continuam presos aos guetos de sua teologia obscura, ultrafundamentalista, liberais, incapazes do diálogo dialético. Esses formandos em teologia (seja qual for o nível – Básico, Médio, Bacharelado –, seja qual for a instituição), não produzem um texto de qualidade, de exegese profunda, apenas reproduzem a mesma teologia pragmática, o mesmo didatismo: "5 aspectos da natureza dos anjos"; "3 atributos incomunicáveis da Divindade", etc. Se estiverem em uma instituição fundamentalista, reproduzem o fundamentalismo. Se estiverem em uma instituição liberal, reproduzem acriticamente o liberalismo teológico. Infelizmente, nenhum deles é desafiado a pensar o próprio sistema que o forma. São apenas orientados a criticar o sistema dos outros. Incapazes de entrar em diálogo com um autor de linha teológica divergente. A intolerância grassa dos dois lados. O liberal grita como uma criança mimada quando se discorda de sua desletralização das Escrituras. O fundamentalista chora como uma criança que deixou o último pirulito do pacote cair ao chão se questionado a respeito da inspiração verbal e plenária da Bíblia.
O sistema educacional teológico empregado pela maioria das denominações evangélicas não produz transformação e conhecimento teológico significativo e contemporâneo. É um sistema que reproduz uma cultura teológica e eclesiástica planejadas para manter o sistema educacional teológico e ministerial existentes. Claro que essa não é a intenção dos objetivos do currículo, ou das finalidades da educação teológica. As instituições de educação teológica não afirmam que reproduzem um modelo de educação com vistas à estratificação e a obediência cega e incondicional ao sistema que as fundam e as mantêm.
Os centros de (desin) formação teológica reproduzem uma “cultura cristã arbitrária”. E, por isso, os formandos desconhecem o vocabulário teológico – muitos são até ensinados a rejeitarem a linguagem teológica –, além de vários livros e autores serem rotulados negativamente sem ao menos serem lidos – Index Librorum Prohibitorum. Os gestores pensam que, assim fazendo, estarão impedindo o crescimento do liberalismo, do fundamentalismo, assim como a Igreja Católica pensava impedir o avanço do protestantismo.
A educação teológica arbitrária reproduz a linguagem, a teologia de gueto e os valores dominantes de classes e se recusa a refletir a respeito da práxis e missão da Igreja de Cristo no mundo. Essa teologia é incapaz de responder positivamente aos dilemas e desafios da igreja moderna e de compreender as indagações e agonias de nosso tempo. Na verdade, ela não quer; sua preocupação é outra. Menos intolerância acadêmica e mais alteridade e diálogo teológico!
Não (!) ao cerceamento de bibliografias para a pesquisa nos centros de educação teológica. Em alguns seminários, para que um livro e uma bibliografia sejam lançados no limbo, no index, basta apenas que o nome do autor tenha mais consoantes do que vogais, ou o selo editorial não corresponda ao denominacional.
Muitos gestores, infelizmente, nem sabem que estão reproduzindo as iniquidades educacionais e ministeriais de seu tempo, de sua denominação, do mercado cristão. Assim, muitas faculdades de teologia são instrumentos denominacionais para a manutenção ideológica do modelo que ai está.
Muitos pretensos educandos que, na verdade, não se educam, estão apenas em busca de um documento que ratifique e oficialize suas práticas ministeriais já conhecidas. Estudam em instituições teológicas que ensinam contra a teologia da prosperidade e, mesmo assim, continuam pregando e ensinando a teologia da prosperidade, entre outros desvios doutrinários. São aprovados apesar de não terem frequentado a carga horária mínima exigida. Saem da faculdade de teologia sem o menor conhecimento das línguas originais, de exegese, hermenêutica, de teologia, entre outras. Ética e lisura, por exemplo, são vocábulos excluídos dos dicionários de muitos formandos. Solidariedade, sustentabilidade e justiça social resumen-se a "chá de senhoras", "coleta de donativos", entre outros paliativos que anestesiam a consciência. Respeito e fidelidade são mercadorias descartáveis na comercialização do poder. Centenas de bacharéis em teologia saem de nossas faculdades teológicas como entraram – muitos poucos escapam dessa lei inexorável. São mantidos acorrentados nas prisões das quais deveriam se libertados.
Precisamos mudar, mas para a melhor. É necessário repensar os propósitos da educação teológica. Esse modelo de ensino teológico só pode ser chamado de essencialista: a preocupação é apenas com o conteúdo a ser ensinado; o aluno é mero recipiente a ser preenchido. Essa concepção de educação teológica entende que o mundo se reduz a verdades essenciais que estão dentro do sistema epistemológico defendido e proposto. Portanto, não há conflitos e debates, pois as verdades estão no dogma, expresso por meio dos credos. Basta apenas conhecer o credo, manter-se nele e tudo o mais se resolverá. O mundo é simplificado. Sua complexidade e pluralidade são reduzidas a sentenças dogmáticas inquestionáveis. O aluno não é desafiado a mudar a realidade, as injustiças, a lutar pela liberdade cristã.
Todavia, os nossos centros de educação teológica precisam de um novo paradigma de educação teológica. Uma teologia de caráter mais cristã, existencialista e libertadora. Não digo existencialismo no modelo filosófico ateu, mas em seu modelo humano, pedagógico. Um paradigma que reconheça e defina sua visão de homem, de humanidade, de alteridade. Sistema educacional onde a missão do professor é orientar; ele é um arquiteto cognitivo, um engenheiro de teologias, orientador. Nesse modelo, o aluno é o sujeito de sua formação teológica, livre para escolher e orientar-se. O aprendente é orientado a apreender a dinâmica do mundo e construir ele mesmo a teologia para o seu tempo, contexto, realidade e comunidade. Ele não é prisioneiro da teologia, mas autônomo para pensá-la. O estudante de teologia deveria recusar-se a aceitar um modelo teológico que o aprisiona em vez de libertá-lo! Esse paradigma não deve ser elaborado no gabinete, na solitária, nos subterrâneos de nossas igrejas, mas em diálogo dialético-dialógico. Precisamos de um novo paradigma, de uma visão de educação teológica que não seja reducionista, antibíblica e estratificada.
Um paradigma que não proíba o pensar, e que não tenha medo de pensar a si mesmo!
Por Esdras Bentho